Onde estão as estrelas?

 Por Aldo R. Fernandes Neto

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Buzz Aldrin na escada do módulo de pouso da Apollo 11 (Fonte: NASA).

Um Detalhe Tão Simples

Antes de mais nada, preciso avisar que não - este não será um texto sobre a teoria da conspiração que afirma que a ida do homem à Lua teria sido uma farsa - contudo, vou usar um dos seus argumentos como ponto de partida para uma discussão mais profunda.

É comum, por parte daqueles que negam a veracidade das viagens à Lua, questionar onde estariam as estrelas, as quais não aparecem nas fotografias que mostram a paisagem lunar sob um céu completamente escuro. Segundo essas pessoas, a ausência de estrelas seria uma prova de que tudo foi gravado em um estúdio fechado (provavelmente em Hollywood).

Bom, em geral, quando escuto esse tipo de coisa, imagino, sarcasticamente, os produtores colocando a mão na testa e se queixando por terem esquecido de um detalhe tão simples e importante... Poxa! As estrelas! Como esquecemos delas?! Sem falar em inúmeros cientistas de todo o mundo que não se atentaram para este fato tão óbvio...


Estação Espacial Internacional (Fonte: NASA)

Bom, para além dessas ironias, vou tentar dar uma explicação resumida aqui, do porquê de as estrelas não aparecerem naquelas imagens. Primeiramente, perceba que em fotografias de outros objetos no espaço as estrelas também não aparecem. Você pode pesquisar imagens de satélites, da Estação Espacial internacional, Telescópio Espacial Hubble, etc... E então vai notar que também não aparecem estrelas no fundo escuro do espaço. Seriam todas falsas?


Telescópio espacial Hubble (Fonte: NASA)

E mais, fotografias de planetas do sistema solar, tiradas com telescópios, também não costumam mostrar estrelas no fundo do espaço sideral. Ou, simplesmente, fotografias tiradas aqui na superfície mesmo, à noite, com uma câmera fotográfica convencional, ou smartphone, não vão mostrar estrela alguma.

Saturno em oposição ao Sol, fotografado em 2017 (Fonte: James Martin Albuquerque, New Mexico)

A experiência mais simples talvez seja você aproveitar uma noite estrelada para iluminar uma de suas mãos ou outro objeto qualquer com uma lanterna bem forte e olhar a mão ou o objeto contra o céu, notando que seus olhos também não irão conseguir enxergar mais um céu tão estrelado nessas condições. Quando saímos de um lugar iluminado, os olhos precisam de um tempo para se acostumar com a escuridão, para conseguir captar todos os detalhes de um belo céu noturno.

Enfim, fica claro que existe uma razão bem física e corriqueira para que não apareçam estrelas nas fotografias tiradas na Lua. Não é qualquer câmera que consegue registrar o céu estrelado, para isso, algumas especificações precisam ser satisfeitas. Primeiramente, o foco é importante neste caso, se você quiser fotografar objetos próximos sob um céu estrelado, é necessária uma lente de grande abertura.

Além disso, como o brilho das estrelas é tênue, é preciso um tempo de exposição longo o suficiente, de forma a aumentar a sensibilidade da câmera. Sendo a superfície da lua, assim como outros objetos fotografados no espaço, iluminada pela luz do Sol, um tempo de exposição muito grande iria ofuscar os detalhes da imagem (seria uma imagem “estourada” como dizem no jargão da fotografia).

Uma Disputa Desigual

Agora vem o detalhe a respeito do qual eu gostaria de chamar a atenção neste texto. Note o tempo e o esforço gasto para perguntar “Onde estão as estrelas?” e induzir a ideia de que aquelas imagens são falsas, e compare com o tempo e o esforço necessários para fornecer uma explicação a respeito deste fato.

Este é um detalhe marcante das teorias de conspiração e outras peças de desinformação que circulam por aí, elas são fáceis de serem assimiladas, são “rápidas”, são intuitivas, são simples... Já a informação acerca da realidade costuma ser mais longa e complexa, de forma que nem sempre é fácil apresentar uma imagem resumida e ao mesmo tempo satisfatória para as pessoas em geral.

A “Lei de Brandolini” – em referência ao cientista da computação Alberto Brandolini – afirma que a energia gasta para se refutar uma bobagem é uma ordem de grandeza maior (algo como “dez vezes maior”) do que a energia gasta para se produzi-la. Naturalmente, não se pode mensurar com precisão a “energia” gasta nesse tipo de atividade, de forma que a Lei de Brandolini é entendida mais como uma provocação irônica do que um princípio imperativo (a exemplo da “Lei de Murphy”).

Contudo, a ideia em si descreve muito bem a realidade por trás dos esforços em se combater a desinformação nos dias de hoje. O estudo “The spread of true and false news online” (A propagação de notícias verdadeiras e falsas online), realizado por pesquisadores do MIT e publicado na revista Science afirma que notícias falsas tem 70% mais chances de serem compartilhadas do que as verdadeiras. Essa porcentagem se refere especificamente ao Twitter, mas pode nos dar uma ideia do que ocorre nas redes sociais em geral.

Essas peças de desinformações possuem características especificas que induzem as pessoas a passá-las adiante. O foco delas não é informar, mas sim viralizar, logo, elas se apresentam de forma simplista, e são pensadas para mexer com nossas emoções, além de se aproveitarem dos nossos vieses políticos e ideológicos. Informações verdadeiras nem sempre terão essas capacidades.

Assim, o desafio de combater a desinformação nas redes sociais se apresenta quase que como uma batalha perdida.

Os Perigos da Desinformação

E não devemos de forma alguma cair no erro de pensar que esse fenômeno é irrelevante ou mesmo inofensivo. Alguns podem questionar qual o problema de algumas pessoas acharem que aquelas fotografias são falsas porque não têm estrelas – ou que a Terra é plana – mas a verdade é que essa incapacidade de julgar a qualidade das informações pode afetar a visão que boa parte das pessoas têm em relação à temas importantes.

Um exemplo bastante emblemático é a questão climática. Existe um forte consenso na comunidade acadêmica, sobretudo entre aqueles que estudam o clima do nosso planeta, de que a temperatura média da Terra está aumentando a uma taxa alarmante, e que isto ocorre devido à liberação de gases estufa pela atividade humana. Também está claro para estes pesquisadores que as consequências serão desastrosas em um futuro de curto a longo prazo.

Ainda assim, existe uma forte campanha de desinformação sobre este assunto, com o objetivo de passar para o público em geral a ideia de que os cientistas estão divididos quanto a esta questão, e de que existiriam “teses alternativas”. Isso sem falar nas teorias de conspiração envolvendo o tema...

Um exemplo (de vários) de como estes argumentos podem funcionar bem para iludir pessoas leigas no assunto vem de um vídeo bastante compartilhado nas redes sociais, onde um sujeito, cujo nome não irei citar aqui, aparece em um famoso programa de entrevistas, contestando a “tese” do aquecimento global. Entre várias informações falsas e distorcidas, ele afirma basicamente que o efeito estufa não existe.

Tomando o planeta Vênus como exemplo (onde, como sabemos, um efeito estufa super intenso faz com que sua superfície seja, em média, mais quente que a de Mercúrio, planeta mais próximo do Sol) ele diz que a temperatura lá é alta porque a pressão atmosférica é alta, uma vez que “PV=nRT” (pressão vezes volume é igual à quantidade de gás vezes a Constante Universal do Gases vezes a temperatura), ou seja, se a pressão “P” é alta isso faz com que a temperatura “T” seja alta também.

Simples, rápido, intuitivo... mas totalmente equivocado. Eu poderia dizer o inverso, que a pressão é alta porque a temperatura é alta, e aí? Existe uma outra fórmula da qual ele não falou, que mostra que quanto maior a energia interna de um gás maior a temperatura (e, consequentemente a pressão). Assim, uma atmosfera mais quente tem mais energia estocada, e essa energia fica retida justamente por causa do efeito estufa...

Novamente, aqui a explicação exige um maior conhecimento técnico a respeito da questão, de forma que uma pessoa totalmente leiga pode ser levada a pensar que esse tipo de argumentação faz algum sentido. E mesmo que a pessoa desconfie de que as coisas não são bem assim, não teria condições de refutar um argumento como esse sem algum conhecimento prévio.

Esse tipo de situação ficou bastante evidente lá pelo ano de 2020, com a pandemia de coronavírus. Conforme declarado pela OMS, o surto de COVID-19 e a resposta a ele foram acompanhados por uma enorme infodemia: um excesso de informações, algumas precisas e outras não, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis quando se precisa [veja as referências no final do texto].

Assim, fica bastante evidente o poder destrutivo da desinformação, que para além de criar crenças ingênuas e absurdas, pode causar sofrimento e morte. Alguns até tiveram a esperança de que logo a situação iria melhorar, pois ao contrário do que ocorre com a questão climática – onde os efeitos se fazem sentir de forma mais lenta, numa escala de tempo de alguns anos - os efeitos da pandemia seriam sentidos em questão de semanas ou meses. Ledo engano, as informações falsas e distorcidas continuaram circulando, disseminando “fatos alternativos” sobre a crise sanitária, e mantendo narrativas distantes da realidade.

Qualquer pessoa com um smartphone poderia gravar um áudio identificando-se como médico de algum hospital conhecido e falando qualquer coisa para justificar esse ou aquele “ponto de vista” sobre a situação, para em seguida viralizar nos grupos de WhatsApp. A desinformação brota fácil, e, vindo de pessoas conhecidas, ganha nossa confiança em um nível maior até do que os veículos tradicionais de comunicação.

A mídia convencional, por sua vez, também possui os seus vieses, agindo de acordo com interesses políticos e econômicos – não se pode negar – ainda assim, constitui uma fonte de informação infinitamente mais confiável do que as redes sociais. Jornais possuem CNPJ, os jornalistas que assinam as matérias possuem CPF. Se divulgam algo deliberadamente falso, podem ser acusados e processados – o que de fato ocorre – precisam, portanto, de um certo cuidado com o que publicam. Mas e os falsos especialistas das redes sociais? Qual a responsabilidade imputada sobre eles a respeito daquilo que divulgam?

Outra fonte de informação que tem sido questionada é a própria Ciência. Publicações científicas passam por um rigorosos processo de análise antes de saírem em uma revista ou periódico. Lógico, o processo não é a prova de falhas, eventualmente ocorrem erros, e quando eles são identificados, uma retratação pública se faz necessária - caso contrário, a revista ou os pesquisadores responsáveis perderão a credibilidade dentro da comunidade científica - e, novamente, eu pergunto: o que acontece com os especialista das redes sociais? Eles também se retratam? Perdem credibilidade? Eles dão a cara a tapa?

Diante deste quadro de extrema desvantagem da informação embasada em fontes confiáveis em relação àquela que vem de fontes duvidosas, não parece restar muita esperança para aqueles que buscam estabelecer algum entendimento sobre a realidade. Tudo indica que qualquer tentativa de combater a desinformação terminará em derrota. O que podemos fazer?

A resposta não é nada simples, e se você leu este texto até aqui achando que no final eu apresentaria uma ideia inovadora acerca do que fazer... lamento por lhe desapontar.

Sejamos as Estrelas

Existe a esperança de que a situação melhore com o tempo, na medida em que as pessoas forem aprendendo a lidar com as informações que chegam até elas, enquanto aumenta a consciência a respeito de como as redes sociais buscam manipular nossas emoções. Contudo, algumas ressalvas precisam ser feitas: mesmo que seja esta a tendência, os estragos de agora podem ter consequências duradouras; além disso, não devemos subestimar a capacidade persuasiva das peças de desinformação.

Assim, de forma alguma devemos cruzar os braços esperando a “cura pelo tempo”. Devemos buscar um certo engajamento no combate às informações falsas, pois assim como as fake news se aproveitam da confiança que temos em nossos conhecidos, as informações verdadeiras também podem se aproveitar dessa confiança. Se todos aqueles que entenderem a seriedade da situação passarem a agir para conscientizar seus parentes e amigos o quanto for possível, certamente teremos resultados significativos.

Nessa dura guerra contra a desinformação, cada território conquistado – entenda-se “cada pessoa bem informada” – é importante. Devemos tentar ser as estrelas que brilham na escuridão da noite, e servir de guia para aqueles que estão se perdendo. Precisamos então nos engajar para que eles possam saber onde estão as estrelas.

Referências

Texto do Prof. Fernando Lang da Silveira sobre a ausência de estrelas nas fotos tiradas na Lua :https://www.if.ufrgs.br/novocref/?contact-pergunta=a-ausencia-das-estrelas-nas-fotos-dos-astronautas

Galeria de fotos da NASA: https://www.nasa.gov/multimedia/imagegallery/index.html

Texto da revista Nature, sobre o tempo e o esforço para se corrigir desinformação, onde a Lei de Brandolini é citada: https://www.nature.com/news/take-the-time-and-effort-to-correct-misinformation-1.21106

Artigo na Science a respeito da facilidade de propagação de notícias falsas online: https://science.sciencemag.org/content/359/6380/1146

Site de combate à desinformação sobre a questão climática (com alguns textos traduzidos para o português): https://www.skepticalscience.com/

Texto da Organização Pan-Americana de Saúde onde o conceito de "infodemia" é explicado no contexto da pandemia de COVID-19: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52054/Factsheet-Infodemic_por.pdf?sequence=14

Comentários

  1. Boa explicação sobre "a falta de estrelas" nas fotos do programa Apollo e são essas as razões já divulgada há anos. Mas é mais fácil desacreditar uma conquista tão singular com argumentos de boteco do que estudar um pouco, ainda que as informações estejam aí, acessíveis para qualquer um.

    Bom trabalho.

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