A Física das Mudanças Climáticas PARTE 1

Por Aldo R. Fernandes Nt.

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Introdução

    Quando ouvimos falar em "mudanças climáticas" ou em "aquecimento global", talvez possamos ser levados a pensar em previsões catastróficas acerca de um futuro razoavelmente distante. Contudo, este tema pode ser muito bem caracterizado por aquilo que já vem acontecendo a partir do passado recente, mais precisamente desde o início do Séc. XX, fato este que já é, há muito tempo, foco de inúmeros estudos científicos.

    Apesar de as ciências do clima se basearem em uma série de idéias complexas, e contarem com os mais sofisticados métodos de computação, os mecanismo que desencadeiam as mudanças climáticas em nosso planeta podem ser entendidos a partir de alguns conceitos básicos da Física, tal como irei mostrar a seguir.

    Mas antes, vamos procurar entender alguns conceitos específicos das ciências climáticas. Primeiramente, é preciso entender que há uma diferença entre "tempo" e "clima". O tempo da meteorologia é nada mais do que o estado das condições atmosféricas em um dado local e em uma certa data: se está Sol ou se está chovendo na sua cidade; se faz frio ou calor etc... Já o clima é uma característica da geografia local, podendo uma certa região ter clima seco ou úmido, quente ou frio etc... Logo, podemos dizer que o clima determina as tendências meteorológicas de um lugar, indicando o quão provável é a ocorrência de um determinado tempo para cada época do ano. É possível traçar um paralelo bastante pertinente com o comportamento humano: se o tempo é como o nosso humor, o clima seria como a nossa personalidade.

    O tempo muda constantemente, já o clima é entendido como algo constante, que não esperamos que mude ao longo de nosso tempo de vida. De fato, uma mudança climática é algo que leva várias anos, às vezes séculos, para ocorrer. Nem toda a mudança climática se refere a um "aquecimento global". Tal mudança pode consistir em um resfriamento, em uma transição para um clima mais seco ou úmido, assim como pode ser local, ou seja, limitar-se a uma determinado região do planeta. O termo "aquecimento global" refere-se, por tanto, ao aumento da temperatura média na superfície da Terra, que vem ocorrendo sobretudo a partir do início do Séc. XX.

    A seguir, os principais conceitos e fundamentos da Física envolvidos nos mecanismos que desencadeiam as mudanças climáticas observadas em nosso planeta, bem como a relação destes com as atividades humanas, serão apresentados em uma linguagem acessível ao público geral. Primeiro serão discutidas as medições de temperaturas médias globais e o consenso entre os cientistas. Depois, vamos procurar entender a física do efeito estufa. Finalmente, será mostrado como sabemos que a atividade humana é a causa, e porque devemos nos preocupar com isso.

Aquecimento Global

    Existem ao menos quatro grandes bases de dados sobre as temperaturas globais registradas nas últimas décadas. No Reino Unido temos o Hadley Institute, e nos EUA temos os dados da NASA, do NOAA e da Universidade de Berkeley. Todas estas bases de dados mostram claramente o aumento da temperatura média global ao longo dos últimos cem anos. 


Figura 1: Média das temperaturas globais tomadas a cada 10 anos desde 1750 (http://berkeleyearth.org/).

    O caso do projeto Berkeley Earth (Universidade de Berkeley) é talvez o mais interessante: a maior base de dados até então, foi construída com a ajuda financeira da indústria dos combustíveis fósseis, com o intuito de verificar se as conclusões de outras fontes eram verdadeiras. Os resultados obtidos mostraram-se em pleno acorda com as outras bases de dados, tal como mostrado na Figura 1, fortalecendo a constatação de que o planeta está aquecendo com uma rapidez considerável em termos geológicos. O desvio em relação a um valor de temperatura constante é chamado de “anomalia de temperatura” (“temperature anomaly” em inglês).

    Se a temperatura do lugar onde você se encontra aumenta subitamente em um ou dois graus, você talvez nem perceba, porém, a situação é bem mais complexa. Não se esqueça que o gráfico na Figura 1 mostra a média das medidas de temperatura tomadas ao redor de todo o planeta. Isso significa que em alguns lugares a anomalia de temperatura foi mais severa do que em outros. Você pode verificar isso no site do Projeo Berkeley Earth: http://berkeleyearth.org/ (em inglês). Lá você pode ir até a base de dados e selecionar várias localidade ao redor do mundo, e observar como os gráficos variam de um lugar para o outro.

    Durante a maior parte da existência da nossa civilização, a temperatura média da Terra tem se mantido razoavelmente estável. Assim como uma febre, que indica que algo não vai bem com nosso organismo, não se limitando apenas a um mero aumento de temperatura, a Figura 1 nos mostra uma imagem “simples” de um processo bastante complexo, o qual envolve mudanças nos padrões de ventos e nos regimes de chuvas, aumento na acidez dos oceanos (que já afeta sensivelmente a vida marinha) e também o aumento do nível dos mares, em decorrência do fenômeno da dilatação térmica.

    Naturalmente, houve um grande interesse em se buscar uma explicação para estas observações. Os modelos climáticos modernos consideram uma série de fatores: atividade solar, vulcões, ciclos naturais diversos… porém, um fator importante sem o qual não é possível reproduzir os resultados observados é o acréscimo de gases poluentes na atmosfera da Terra decorrente da atividade humana. Trata-se de uma conclusão inequívoca e amplamente aceita pela comunidade cientifica internacional.

    Um conceito fundamental para entendermos o que está acontecendo é o chamado “efeito estufa”, e é exatamente com ele que iremos começar.

O Efeito Estufa

    Quando se ouve falar em efeito estufa, é possível que muitas pessoas pensem em algo provacado pela ação humana, consequência da poluição lançada na atmosfera pela nossa civilização, mas isso é, na verdade, um grande equívoco. O efeito estufa é algo perfeitamente natural, e extremamente importante para vida na Terra, o que acontece é que a liberação de gases que contribuem para o efeito estufa - chamados “gases estufa” - acaba por afetar a sua intensidade.

    Não existe nada de controverso na física por trás do efeito estufa. Este nome, inclusive, vem das estufas utilizadas na botânica, que se utilizam desse mesmo efeito, em uma escala bem menor do que a planetária, para manter a temperatura em seu interior mais elevada do que em seu exterior. Algo similar ocorre com uma automóvel estacionado ao Sol, o que faz com que seja bem mais quente dentro dele do que no lado de fora.

    De maneira simplificada, a radiação térmica que vem do sol, emitida principalmente no espectro da luz visível (que forma as cores do arco-íris), atinge a superfície do nosso planeta sendo em parte absorvida por ela. Isso faz com que a superfície se aqueça, e emita radiação térmica, a qual se concentra no espectro do infravermelho, invisível aos olhos humanos - se fosse visível, aliás, tudo ao nosso redor, inclusive nós mesmos, estaríamos sempre brilhando - por outro lado, a atmosfera, que é transparente para a luz visível, não é tão transparente para outros espectros de radiação eletromagnética, então ela acaba servindo como uma barreira.

    O equilíbrio térmico da Terra com a radiação solar é alcançado quando a intensidade da radiação térmica emitida para o espaço se iguala àquela recebida do Sol. Assim, se atmosfera interfere na emissão dessa radiação, a temperatura na superfície deve ser elevada o suficiente para garantir que a fração da intensidade que escapa para o espaço mantenha este balanço. É similar ao que ocorre quando usamos um cobertor para se aquecer no frio.


Figura 2: Representação da molécula de CO2 e seus modos de vibração.

    Vamos procurar entender melhor este processo. A Figura 2 mostra a representação de uma molécula de dióxido de carbono - o CO2 - e algumas maneiras pelas quais ela pode vibrar, alterando a sua forma “relaxada”. Se você puder brincar com algum sistema oscilatório, como alguma coisa pendurada por uma mola, você vai ver que sempre existe uma frequência natural de oscilação, na qual esse sistema oscila livremente. Se você forçar a mola a manualmente a oscilar nessa frequência, vai ver que a oscilação ficara cada vez maior, até que chegar a algum limite. Esse fenômeno é chamado de “ressonância”.

    A molécula de CO2 também pode entrar em ressonância com a radiação eletromagnética, desde que esta esteja na frequência de ressonância de alguns de seus modos vibracionais. Isso faz com que ocorra uma máxima absorção de energia por parte da molécula, o que se traduz, macroscopicamente, em uma contribuição para o aumento da temperatura da atmosfera. A frequência de ressonância do modo de dobramento (“bending” em inglês), por exemplo, ocorre a uma frequência equivalente a 667 ciclos de uma onda eletromagnética por centímetro. Guarde este número, falaremos dele na Parte 2.

    Antes de prosseguirmos, é preciso deixar claro que existem outros gases na atmosfera que contribuem para o efeito estufa, como é o caso do metano (CH4), o óxido nitroso (N2O) e até mesmo o ozônio (O3). O gás mais relevante para o efeito em si é o vapor d'água (H2O). Contudo, o clima da Terra é governado por uma série de processos complexos e intrincados entre si. Um aumento nos níveis de CO2, causa um leve aumento de temperatura, o que proporciona mais evaporação de água, aumentando a concentração de vapor, o que, por sua vez, aumenta ainda mais a temperatura... Este é um exemplo de “mecanismo de feedback” (retroalimentação), no caso, um “feedback positivo” entre o vapor d'água e a temperatura. Existem muitos outros mecanismos desse tipo.

    Vamos então procurar compreender como ocorre a interação da radiação com a atmosfera, e, para isso, vamos primeiro aprender sobre o conceito de radiação de corpo negro, o qual nos permite entender como os corpos aquecidos emitem radiação. É o que faremos na próxima parte!



Referências

Aqui vai o site do Projeto Berkeley Earth: http://berkeleyearth.org/ (em inglês), onde você pode explorar a base de dados sobre temperaturas globais.

Outra fonte interessante é o site https://www.skepticalscience.com/, que aborda vários temas relevantes sobre o assunto, inclusive, com tópicos traduzidos para o português. 


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