A Física das Mudanças Climáticas PARTE 3

Por Aldo R. Fernandes Nt.

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Na Parte 2 vimos como a interação da radiação térmica com a atmosfera causa o efeito estufa, bem como a relevância do CO2 para a intensidade desse efeito. Nesta terceira e última parte, vamos ver como sabemos que a atividade humana é a responsável pelo aumento na concentração de CO2 observado na atmosfera da Terra.

A Contribuição Antrópica

    Existem vários processos naturais que podem provocar um aumento nas concentrações de CO2, vulcanismo intenso, variação na atividade biológica ou até mesmo aumentos de temperatura (de fato, um outro mecanismo de feedback). Se queremos investigar a influência da atividade humana, a pergunta que devemos fazer é: este carbono acrescido à atmosfera tem origem na queima de combustíveis fósseis?

    Felizmente, existem meios pelos quais podemos respondermos a está pergunta. Podemos dizer que o carbono de origem fóssil tem uma "impressão digital" que pode ser revelada pela Física Nuclear.

    Os núcleos atômicos são formados por dois tipos de partículas, os prótons e os neutrons. O número de prótons determina a "identidade" do átomo, no caso, o átomo de carbono tem seis prótons. Porém, átomos de um mesmo elemento químico podem ter número diferentes de neutrons, no caso, dizemos que são "isótopos" diferentes de um mesmo elemento.


Figura 5: Representação dos núcleos dos isótopos do carbono.

    Existem três isótopos de carbono na natureza, o carbono-12 (C12), o carbono-13 (C13) e o carbono-14 (C14), todos possuem núcleos com seis prótons, porém com seis, sete e oito neutrons respectivamente, tal como ilustrado na Figura 5, onde os prótons são representados pelas bolinhas azuis e os neutros pelas cinzas (é apenas uma ilustração, núcleos atômico não têm esta aparência). O C12 é o isótopo mais abundante, sendo “estável”, ou seja, ele se mantem sem sofrer decaimento radioativo. O C13 é mais raro, contudo, é também estável.

    O C14, por sua vez, é um isótopo “instável”, ele sofre decaimento radioativo. Ainda assim, ele possui uma concentração característica na atmosfera, pois estes isótopos são formados quando os átomos de nitrogênio - o elemento mais abundante de nossa atmosfera - são atingidos por neutrons contidos nos raios cósmicos, partículas de alta energia vindas do espaço. O nitrogênio possui sete prótons e sete neutrons em seu núcleo, quando é atingido pelo neutron de alta energia, ele “expulsa” um dos prótons, tomando seu lugar, e o núcleo passa a ter seis prótons e oito neutrons, ou seja, se transforma em C14. Podemos representar o processo por

N14 + n0 -> C14 + p+

onde n0 representa o neutron, com sua carga nula, e p+ o próton com sua carga positiva.

    As plantas absorvem o carbono atmosférico, contido na molécula de CO2, para realizar a fotossíntese, fenômeno através da qual ela obtém energia. Elas fazem isso através de pequenas aberturas microscópicas, localizadas principalmente em suas folhas, chamadas “estômatos”. Como os núcleos de C12 são menores, eles acabam adentrando mais facilmente os estômatos, o o carbono fixado pelas plantas é mais pobre em C13 e C14 do que o carbono atmosférico natural, e como as plantas são a base da cadeia alimentar, isto se aplica a toda a matéria orgânica viva.

    Contudo, quando o ser vivo morre, e sai da cadeia alimentar, as concentrações de C14 começam a diminuir ao longo do tempo, graças ao processo de decaimento radioativo. O núcleo emite uma partícula beta - um elétron - e um dos neutrons é substituído por um próton, conservando a carga elétrica total, voltando a ser um núcleo de nitrogênio, ou seja

C14 -> N14 + e-

onde e- representa o elétron com sua carga negativa. Em geral, C14 leva alguns milhares de anos para decair totalmente, e as medidas de sua concentração podem ser usadas para determinar a idade da matéria orgânica, sendo uma forma de datação radioativa.

    Assim, o carbono atmosférico e o carbono orgânico possuem proporções bem definidas dos três isótopos, já o carbono fóssil possui as mesmas proporções do orgânico, só que com ainda menos C14. Logo, podemos atribuir uma “impressão digital” ao carbono, a qual revela a sua origem.

    E a origem do CO2 acrescido na atmosfera ao longo do Séc. XX é, de acordo com sua assinatura isotópica, de origem fóssil. Quem tiver interesse pode buscar trabalhos como o de Levin e Hesshaimer, entre outros. A análise das concentrações de isótopos de carbono é apenas uma de várias linhas de evidências que apontam o aumento nas concentrações de CO2 como consequência da atividade humana (veja as referências).

    Naturalmente, nós não influenciamos o clima de nosso planeta apenas pela liberação de CO2 na atmosfera. Existem outros gases estufa produzidos pelas nossas atividades, como o CH4 e o N2O. Em geral, os cientistas que investigam as mudanças climáticas utilizam o conceito de “forçante radiativa” para mensurar as diferentes contribuições. Forçante radiativa é uma medida da diferença entre uma intensidade solar padrão e a intensidade de radiação liberada para o espaço. Seria a área ocupada pelas faixas de absorção dos gases no gráfico da Figura 4.


Figura 6: Forçantes radiativas por emissões e direcionadores em unidades relativas a uma intensidade de 1750W/m2 (Fonte: Shindell et al, 2009 ).

    A Figura 6 representa as forçantes radiativas mais relevantes pra diferentes direcionadores. Note que existem forçantes negativas, ou seja, elas contribuiriam para um resfriamento do clima, por refletirem radiação incidente, sendo o caso de alguns aerosóis, bem como mudanças no uso da terra, por exemplo. Contudo, o efeito positivo é bem maior, sendo dominado pelos gases estufas, sobretudo o CO2.

    Atualmente, não existem mais dúvidas da contribuição do ser humano para as mudanças climáticas. Alguns cientistas, inclusive, utilizam o termo “antropoceno” para se referir a este novo período geológico no qual estamos entrando, sendo o prefixo “antropo” relativo a “homem” (e "ceno" se refere a um "período recente"), representando nossa influência no aspecto do ambiente planetário.

    Em nossa última seção, vamos conhecer algumas perspectivas e desafios a serem considerados em decorrência das mudanças climáticas.

Porque Devemos nos Preocupar

    Acredito que meus leitores e leitoras saibam que o tema abordado aqui vem acompanhado por uma certa polêmica. O negacionismo climático, ou seja, a negação dos fatos relacionados às mudanças climáticas, está profundamente arraigado em questões políticas e ideológicas, não tendo nada de científico, uma vez que este debate está praticamente encerrado entre os pesquisadores (em geral, existe um ou outro aspecto que pode ser discutido, mas o quadro geral já está muito bem estabelecido).

    Antes de mais nada, é preciso deixar claro que não pretendo passar aqui a ideia da ciência como “dona da verdade”. A questão é que existem muitas linhas de evidências que apontam para uma mesma conclusão. O que expus aqui até agora é uma abordagem preliminar e extremamente básica do assunto. Pode-se dizer que é apenas a "ponta do iceberg". Quem quiser aprender mais, vai ter que ir muito mais a fundo.

    Como vimos lá atrás, existem diferentes bases de dados que apontam para este fato, e, além disso, a nossa impressão digital no clima da Terra é bem clara. Mas será que um aquecimento seria mesmo algo ruim? De fato, um planeta mais frio, como nas eras glaciais, não seria nada ideal para a existência de nossa civilização. Contudo, como também já vimos aqui, o problema não é apenas a temperatura em si. A mudança climática possui vários aspectos, e está acontecendo em um ritmo rápido demais para que os sistemas naturais consigam se adaptar.

    Alguns podem indagar ainda, se as consequências econômicas resultantes das ações para resolver o problema não seriam muito piores do que o problema em si. Vamos ver então quais são as perspectivas em relação a este assunto, de acordo com o segundo relatório de IPCC (sigla para “Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas” em inglês) de 2014, as perdas econômicas anuais globais para um aumentos de temperatura média de cerca de 2oC seriam de no mínimo 2% do PIB global. Isso sem considerar o esforço que já teria de ser realizado para limitar o aquecimento global a estes 2oC. As perdas crescem de maneira acelerada para maiores aumentos de temperatura, mas poucas projeções quantitativas foram concluídas para um aquecimento em torno de 3oC ou acima.

    Segundo as estimativas, se nada for feito, podemos ter uma aquecimento de 4oC ou mais até o final de Séc. XXI. Para termos uma ideia de quão grave a situação pode ser, imagine a quantidade de pessoas que podem precisar se deslocar por causa do aumento dos níveis dos mares.

    Ainda que pudéssemos ignorar os impactos das mudanças climáticas e seguir queimando combustíveis fosseis como se não houvesse amanhã, devemos lembrar que estamos falando de um tipo de recurso que é finito, não renovável. Um dia o petróleo vai acabar, e já não teríamos outra escolha - nesse cenário irrealista sem aquecimento global - a não ser mudar nossa matriz energética. Contudo, muito estrago pode ser feito em nosso planeta até o dia em que o petróleo acabe.

    Antes de ponderar se vale a pena sacrificar nosso ambiente natural em prol do crescimento econômico, nunca devemos esquecer da finitude dos recursos disponíveis. Se temos que derrubar as florestas ou contaminar o solo para sermos "ricos", o que as gerações futuras irão fazer quando não houver mais florestas ou minérios para serem explorados? Aceitar o fim da civilização? Ou aceitar o desafio de usar nossa capacidade inventiva para encontrar soluções científicas e tecnológicas que possibilitem um desenvolvimento sustentável? 

    Fica então evidente que é mais vantajoso buscar a mitigação das mudanças climáticas do que tentar ignorá-las. Esta mitigação envolve uma profunda mudança nos nossos hábitos e na maneira como enxergamos nossa relação com a o planeta em que vivemos. Este estará, sem dúvida, entre os maior desafio das futuras gerações.

Referências

Link para o trabalhos de Levin e Hesshaimer sobre a variação da concentração de isótopos de carbono na atmosfera: https://archiv.ub.uni-heidelberg.de/volltextserver/6862/ (em inglês).


Link para o tópico sobre as vantagens de se mitigar o aquecimento global no Skeptical Science: https://www.skepticalscience.com/mitigation-cheaper-than-adaptation.htm (em inglês).

Mais sobre a história das ciências climáticas (por John Mason): https://www.skepticalscience.com/history-climate-science.html

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