A Física das Mudanças Climáticas PARTE 2

Por Aldo R. Fernandes Nt.

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Na Parte 1, vimos alguns conceitos fundamentais para o entendimento da ciência do clima, tal como "aquecimento global" e "efeito estufa". Vamos agora entender um pouco a respeito de como se dá a interação da radiação térmica com a atmosfera. Mas antes, vamos falar um pouco sobre a ideia de radiação de corpo negro.

Radiação de Corpo Negro

    Talvez muitas pessoas se surpreendam ao saber que o conhecimento que nós temos hoje sobre o funcionamento do clima está profundamente relacionado com o surgimento da Mecânica Quântica. Trata-se do ramo da Física que investiga os fenômenos da matéria em sua escala mais fundamental. Um importante ponto de partida para essa revolução do pensamento científico foram os estudos realizados nos últimos anos do Séc. XIX por Max Planck sobre a radiação de corpo negro, um objeto idealizado que absorve toda a radiação eletromagnética que incide sobre ele, emitindo apenas radiação térmica. Apesar de não existir um corpo negro “perfeito”, este conceito descreve com boa aproximação o que acontece com muitos corpos aquecidos.


Figura 3: Espectro de radiação de Planck para um corpo aquecido em diferentes temperaturas. No eixo vertical temos a intensidade da radiação, enquanto o eixo horizontal mostra o comprimento de onda na qual a radiação é emitida. (Fonte: phys.libretexts.org)

    A Figura 3 mostra alguns gráficos do espectro de radiação de Planck para um corpo aquecido em diferentes temperaturas. A expressão matemática que a descreve é um tanto complicada, e eu não vou colocá-la aqui - mas quem quiser poderá encontrá-la facilmente pesquisando na internet - a linha azul, na figura, acompanha os máximos de emissão, os quais seguem a chamada “Lei de Wien”, que afirma que o comprimento de onda de máxima intensidade para um corpo negro, 𝜆max, é inversamente proporcional a sua temperatura T (medida na escala Kelvin), ou seja

𝜆max = b/T

onde b=2898 micrômetros-Kelvin é a constante de Wien - para quem curte cálculo, você pode obter esta lei determinando onde a derivada da curva de Planck é nula, mas se essa não é a sua praia, tudo bem - note ainda que, estando a superfície do Sol a temperaturas na faixa dos 5000K, o pico do espectro corresponde à faixa da luz visível, à qual nossos olhos são adaptados para enxergar. Já a superfície da Terra, a uma faixa de temperaturas menores, tem seu pico de emissão em uma faixa de comprimentos de onda maiores, correspondente ao infravermelho, tal como esperado pela Lei de Wien.

    A intensidade total emitida é dada pela área sob a curva de Planck - no caso, os amantes do cálculo devem integrar a curva ao longo de todas os comprimentos de onda, do zero ao infinito - o resultado obtido diz que a intensidade total I é proporciona à quarta potência da temperatura, ou seja

$I=𝜎T^{4}$

que é conhecida como “Lei da radiação de Stefan-Boltzmann”, no caso, 𝜎 é a “Constante de Stefan-Boltzmann”, a qual, para um corpo negro, tem o valor de cerca de 5,7 x 10-8 W/m2K4 (lê-se “Watts por metro quadrado por Kelvin à quarta potência”).

    Para manter o equilíbrio, a intensidade total emitida pelo planeta, deve igualar a intensidade da radiação solar por ela recebida. Na órbita da Terra, a intensidade da radiação solar é de cerca de 235W/m2, o que corresponde, pela Lei de Stefan-Boltzmann, a uma temperatura de aproximadamente 278K, ou 5oC.

    Contudo, existe ainda um fator importante a ser considerado na equação: o “albedo”, que significa a fração da radiação incidente que é refletida pela superfície de volta para o espaço. No caso da superfície da Terra, o albedo médio e de cerca de 30%, ou seja, o planeta absorve, na verdade, 70% da intensidade da radiação solar. Considerando este fato na nossa fórmula, chegamos a uma temperatura correspondente de 265K, ou -18oC. Esta seria a temperatura média da Terra sem o efeito estufa (na verdade, a situação é bem mais complexa, mais frio significa mais gelo, o que significa um maior albedo... vamos ignorar isso por aqui).

    Porém, a temperatura média da superfície da Terra está hoje entre 14oC e 15oC, sendo que este acréscimo de 32-33oC representa justamente a contribuição do efeito estufa. A seguir, vamos buscar entender como a interação da radiação com a atmosfera afeta a temperatura média de nosso planeta.

Interação Radiação x Atmosfera

    Uma vez aquecida pela radiação solar, a superfície da Terra passa a emitir radiação térmica de forma similar a um corpo negro, ou seja, o espectro de radiação é similar à uma curva de Planck. Contudo, quando medimos diretamente o espectro da radiação que escapa para o espaço, vemos que ele é claramente afetado pela composição de nossa atmosfera.


Figura 4: Espectro de radiação térmica da Terra medido por satélites acima da atmosfera, com um espectro de referência de 294K (linha vermelha). A intensidade é representada em função do numero de onda (frequência espacial em ciclos por centímetro). (Fonte: giss.nasa.org)

    A Figura 4 mostra o espectro de radiação térmica da Terra medido por satélites acima da atmosfera. A figura usa um espectro de referência, correspondente a curva de Planck para 294K, o qual é “deformado” pelas faixas de absorção dos gases da atmosfera. A contribuição do CO2 para a retenção da radiação térmica em torno da frequência de 667 ciclos por centímetro se mostra bastante proeminente, ainda que ocorra fora do máximo de emissão. Como vimos lá na Parte 1, está é a frequência de ressonância do modo vibracional de dobramento das moléculas de CO2.

    A intensidade total emitida para o espaço corresponde à área em azul na Figura 2, e para que haja balanço energético, ela deve se igualar à intensidade da radiação solar (de cerca de 235 Watts por metro quadrado). Aumentos na concentração de CO2 - assim como de outros gases estufa - expandem a área de absorção, fazendo com que a temperatura da superfície aumente para emitir mais radiação térmica e manter o balanço energético.

    Assim, fica clara a relevância do CO2 para a modulação da temperatura da superfície da Terra, ainda que a faixa de absorção mais abrangente seja a do H2O (lembre-se que a concentração de vapor d'água sofre influência direta da própria temperatura). Consequentemente, se queremos entender o que está causando o aumento na temperatura média mostrado na Figura 1, devemos buscar entender o que acontece com as concentrações de CO2 ao longo do tempo.

    Uma referência no monitoramento das concentrações de CO2 em nossa atmosfera é o observatório de Mauna Loa no Havaí. Localizado no meio do Pacífico, longe de todos os continentes, o lugar é ideal para se trabalhar com amostras de ar puro, cuja composição deve ser bem próxima da media planetária.

    No ano de 2015, o observatório registrou a concentração recorde de 400 partes por milhão. A última vez que nosso planeta viu concentrações tão grandes foi no Período Plioceno, há cerca de 4 milhões de anos atrás. Naquela época, nossos ancestrais primatas estavam ensaiando seus primeiros passos em algum lugar da África, e a temperatura média da Terra era 2oC mais alta do que no período pré-industrial. Estima-se que nível do mar chegou a ser 9 metros mais alto em alguns momentos desse período.

    Alguns podem até se perguntar por que o nosso mundo não está apresentando estas características agora que atingimos a mesma concentração de CO2 do Plioceno. Basicamente, existem outros fatores que influenciam o clima, contudo, devemos ter em mente que a resposta do sistema atmosférico à essas alterações não é imediata, podendo levar um longo tempo para se estabelecer.

    Na próxima parte, vamos entender como sabemos que a atividade humana é a grande responsável pelas mudanças climáticas que nosso planeta vem experimentando nos tempo recentes.


Referências

Aqui vai o link para uma calculadora online (MODTRAN) onde você pode simular os efeitos dos aumentos das concentrações de CO2 na atmosfera: http://climatemodels.uchicago.edu/modtran/ (em inglês). Tem que quebrar um pouco a cabeça para entender...

Outra fonte interessante é o site https://www.skepticalscience.com/, que aborda vários temas relevantes sobre o assunto, inclusive, com tópicos traduzidos para o português.

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