O que é (e o que não é) “Física Quântica”? PARTE 3

Por Aldo R. Fernandes Nt.

Twitter: @AldoRFernandes
Instagram: Aldo R Fernandes Nt




Na Parte 2, vimos como a dualidade onda-partícula implica em um caráter probabilístico para a descrição dos fenômenos quânticos. Nesta terceira e última parte, vamos ver algumas das consequências inusitadas que surgem quando buscamos descrever o mundo das coisas muito pequenas em termos de uma "função de onda".

A Função de Onda

    A equação de Shorodinger é basicamente uma equação de onda, de forma que as suas soluções fazem tudo aquilo que uma boa onda faz, como, por exemplo, obedecer ao “princípio da superposição”. Este princípio afirma que quando duas ondas se encontram, a onda resultante é simplesmente a soma das outras duas em cada ponto do espaço (é este princípio que cria os padrões de interferência no experimento da fenda-dupla). De acordo com este princípio, uma partícula poderia estar em uma superposição de estados quânticos.

    Este fato é muitas vezes traduzido para o público leigo como se “a partícula pudesse estar em dois ou mais lugares ao mesmo tempo”. Não é bem assim, o que ocorre é que a função de onda resultante pode ter dois ou mais “picos”, o que significa que podem existir duas ou mais diferentes regiões no espaço onde existe alta probabilidade de encontrarmos a partícula, porém, uma vez medida sua posição, ela estará localizada em apenas um ponto. Contudo, esta possibilidade, de fato, leva a algumas conclusões totalmente contraintuitivas.


Figura 5: Ilustração do experimento mental do Gato de Shrodinger (wikipedia.com ).

    Para ilustrar algumas dessas conclusões, Shrodinger propôs, em 1935, um “experimento mental” que viria a se tornar famoso, trata-se do experimento do “Gato de Shrodinger”. Consiste em se colocar um gato em uma caixa fechada, onde exite uma fonte radioativa e um detector. Este detector está ligado a um mecanismo que aciona um martelo caso ocorra uma detecção de uma partícula radioativa, o qual, por sua vez, quebra um frasco de veneno, provocando a morte do pobre animal (veja a Figura 5).

    Contudo, como a morte do gato depende da emissão e detecção de uma partícula, fenômenos sujeitos aos princípios da Mecânica Quântica, ninguém poderia dizer se o gato está vivo ou morto até abrir a caixa! Pela interpretação de Copenhagem, não haveria sentido em perguntar se ele está vivo ou morto até a verificação direta (medição) de seu estado vivo/morto.

    Este experimento mental sucinta várias questões interessantes do ponto de vista filosófico, sobre o papel do observador na definição da realidade observada, contudo, note que não é a vontade do observador em obter um ou outro resultado que influência os experimentos - e eu tenho certeza de que a maioria dos meus leitores e leitoras torce para que o gato esteja vivo - no máximo, o observador consciente pode escolher que tipo de propriedade ele vai ou não medir (por exemplo, posição ou velocidade de uma partícula), porém, os resultados estarão sempre sujeitos à aleatoriedade. Não há nada na Mecânica Quântica que sustente o “poder do pensamento” ou algo do tipo.


Figura 6: Ilustração do emaranhamento quântico.

    A superposição também admite uma outra consequência intrigante: o emaranhamento quântico. Um sistema de partículas pode ser “preparado” em um estado com uma propriedade bem definida, contudo, este estado pode ser ele mesmo uma superposição de outros estados. A Figura 6 ilustra o spin (o “giro intrínseco”) de duas partículas. As setas indicam o sentido de giro pela regra do parafuso. Elas podem ser preparadas em um estado no qual o spin total seja nulo, ou seja, elas precisam necessariamente ter spins opostos.

    Aí temos duas possibilidades: a partícula da esquerda ter spin para cima e a da direita para baixo, ou vice-versa. Assim, podemos ter um estado formado pela superposição destas duas configurações. Isso significa que quando medimos o spin de uma das partículas, imediatamente passamos a conhecer qual é o spin da outra, não importa qual seja a distância em que elas se encontram. Uma delas poderia ser enviada para a estrela Alfa Centauro, por exemplo, e ainda assim poderíamos instantaneamente saber qual o seu spin, apenas observando aquela que ficou na Terra.

    Einstein se referiu a esta possibilidade como uma “ação fantasmagórica a distância”. Ressaltando que, pela sua sua Teoria da Relatividade, nada poderia se mover mais rápido do que a luz, ou seja, havia um limite de velocidade universal, que se aplicava a todos os fenômenos naturais.

    Contudo, note que o emaranhamento não permite a transmissão de informações instantaneamente, ao contrário do que as vezes é dito por aí, você não iria conseguir influenciar o spin de uma partícula mexendo no spin da outra. Uma vez que você interagisse com uma delas, de forma a afetar esta propriedade, o emaranhamento seria “destruído”. Tudo se resume aqui ao processo de medição, o colapso da função de onda é instantâneo, contudo, isso não significa transmissão de informação, logo, o emaranhamento quântico não pode ser invocado para explicar telepatia, clarividência, ou coisas do gênero, por exemplo.

    Outro fenômeno descrito pela equação de Shrodinger é o tunelamento quântico. É análogo ao que acontece com as ondas sonoras quando encontram uma parede. Se a parede for muito fina, você pode escutar o som do outro lado, porém, quanto mais grossa a parede for, menor será a intensidade (o volume) desse som. No que diz respeito à função de onda de uma partícula, isso significa que existe uma probabilidade de essa partícula atravessar uma barreira de energia a qual seria intransponível pelas leis da Física Clássica, vindo a ser localizada do outro lado.

    Naturalmente, quanto mais extensa for a barreira, menor será a probabilidade do tunelamento acontecer. No caso de um objeto macroscópico, formado por inúmeros átomos, a probabilidade de atravessar uma parede tal como um fantasma é quase nula. Mas, por incrível que pareça, a Teoria Quântica permite calcular esta probabilidade! Contudo, ela é tão absurdamente baixa, que não esperaríamos ver isso acontecer em um período de tempo de várias vezes a idade do Universo.

    Apesar de muitas afirmações amplamente difundidas pelo público geral estarem baseadas em conceitos distorcidos ou equivocados da Mecânica Quântica, é preciso ressaltar que ela possui sim um papel significativo em nossas vidas, como veremos na última parte desta nossa viagem pelo mundo quântico.

A Mecânica Quântica em Nossas Vidas

    Sabemos que a superfície do mar está sempre ondulando, pequenas cristas de água aparecem e desaparecem o tempo todo, aqui e ali. Mas se você observa o mar de longe, como do alto de uma montanha ou da janela de um avião, verá apenas uma superfície lisa azulada. Assim são os fenômenos quânticos, não podemos enxergá-los diretamente, mas hoje sabemos que eles estão lá, governando o comportamento das coisas muito pequenas.

    Isso não significa que a realidade descrita pela Mecânica Quântica não influencie em nada nossas vidas, muito pelo contrário, hoje sabemos que as propriedades da matéria, as formas como ela interage com a energia, e muitos outros fenômenos naturais possuem uma explicação mais fundamental alicerceada na Teoria Quântica. O próprio mundo macroscópico descrito pela Mecânica Clássica, como já deve ter ficado bem claro a esta altura, emerge como uma extrapolação desse mundo microscópico descrito pela Mecânica Quântica.

    Esse conhecimento também possibilitou um enorme avanço tecnológico: semicondutores; lasers; ressonância magnética; além do advento da nanotecnologia. Se você utiliza computadores, telefones celulares, internet, ou qualquer coisa que tenha um transistor, então, definitivamente, os conhecimentos que adquirimos sobre os fenômenos quânticos já influenciam sua vida!

    A grande lição aqui talvez seja de que a investigação profunda sobre a natureza em seus aspectos mais fundamentais não precisa ser emaranhada com ideias esotéricas e sobrenaturais sobre como conseguir sucesso, riqueza etc., de forma a despertar nosso fascínio. A realidade, tal como revelada pela ciência, já é algo fascinante por si só.

Referências

Grande parte das informações deste texto foram tiradas do livro: Curso de Física Básica H. Moyses Nussenzveig, Vol 4, Editora Edgard Blucher, excelente para que quiser estudar o tema pra valer.

Outra fonte interessante para quem quer ir mais fundo no assunto é o site feynmanlectures.caltech.edu.

Comentários

Postagens mais visitadas