O que é (e o que não é) “Física Quântica”? PARTE 2

Por Aldo R. Fernandes Nt.

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Na Parte 1, vimos o surgimento do conceito de "quantum", e como ele ajudou a explicar alguns fenômenos que não se encaixavam na descrição da Física Newtoniana. Vamos continuar nossa história sobre o desenvolvimento da Mecânica Quântica, começando por uma ideia fundamental nas ciências naturais: o átomo.

O Átomo

    A história do átomo remonta aos tempos pré-socráticos da filosofia grega. O atomismo grego pregava que toda a matéria era composta de pedaços indivisíveis (em grego “atomo”, o que não pode ser cortado, dividido) que se combinavam entre si para formar todos os corpos materiais. O maior expoente dessa corrente de pensamento foi, talvez, Demócrito de Abdera, aluno de Leucipo de Mileto, e que viveu entre os Séc. V e IV a.c..

    Também na antiga Índia, a escola de pensamento Vaisheshika pregava uma forma de atomismo por volta de Séc. II a.c.. Segundo esta corrente, os objetos que formam nosso mundo eram todos compostos por pedaços fundamentais que interagiam entre si de forma complexa, resultando no mundo em que vivemos.

    Contudo, é necessário ressaltar que essas ideias da antiguidade consistiam em um atomismo meramente filosófico, sendo muito diferente da concepção que temos hoje do átomo (o qual, aliás, não é “indivisível”). Em tempos mais recentes, essa ideia passou a ser considerada a partir do entendimento do Método Científico. Neste contexto John Dalton, no final do Séc. XVIII, invocou a ideia de átomos como os menores constituintes da matéria, para explicar por que os elementos químicos reagiam entre si em proporções numéricas fixas.

    Mais tarde, em 1897, Joseph Thomson, que havia descoberto o elétron em suas experiências com tubos de raios catódicos - e ganhou um Nobel por isso - percebeu que os átomos não eram, de fato, indivisíveis. Ele propôs o primeiro modelo atômico, no qual o átomo consistia em um objeto circular de carga positiva, no qual os elétrons, de carga negativa, flutuavam em seu interior. Em um átomo eletricamente neutro, as cargas positiva e negativa se equilibravam. Este modelo foi apelidado de “pudim de passas”, sendo a carga positiva o “pudim”, e os elétrons as “passas”.

    Lá pelo início de Séc. XX, os físicos estavam começando a perceber que bastante informação podia ser obtida sobre a estrutura da matéria “bombardeando” as coisas com partículas de alta energia. Em 1911, Ernest Rutherford estudou o espalhamento de partículas de radiação alfa por uma folha metálica, juntamente com seus dois alunos Geirger e Marsden, em uma espécie de experimento precursor e em menor escala dos modernos aceleradores de partículas. Seus resultados apontaram para uma estrutura atômica bem diferente do pudim de passas proposto por Thomson.

    Eles descobriram que o átomo parecia ser constituído por um núcleo maciço de carga positiva, cercado pelos elétrons de carga negativa. Assim, o modelo de Rutherford descrevia o átomo como um pequeno “sistema solar”, no qual o núcleo fazia o papel do Sol, e os elétrons orbitavam ao redor dele, como os planetas.

    Mas havia um problema. Pela teoria clássica do eletromagnetismo, cargas elétricas em movimento circular deviam emitir energia na forma de radiação eletromagnética, assim, com o tempo, os elétrons deveriam perder energia orbital, e cair em direção ao núcleo, ou seja, o átomo de Rutherford deveria colapsar! E novamente parecia haver algo de errado em se aplicar a Física Clássica ao mundo das coisas pequenas, assim como acontecia no caso da catástrofe do ultravioleta.

    É então que, em 1920, Neils Bohr propõe um modelo atômico considerando a natureza quântica da interação entre a matéria e as ondas eletromagnéticas. Segundo ele, o átomo de fato consiste em um núcleo denso e positivo circundado por elétrons, porém, esses elétrons ocupavam órbitas fixas e bem definidas: os “orbitais”. Quando um elétron absorvia um fóton, ele subia para um orbital de maior energia. Quando emitia um fóton, ele descia para um orbital de menor energia, e nunca podia haver mais de um elétron no mesmo orbital. Assim, quando todos os orbitais de energias mais baixas estivessem ocupados, o átomo estaria em seu “estado fundamental”, e não colapsaria. Se o átomo absorvesse um fóton, ele passaria para um “estado excitado”.

    O modelo de Bohr permitia calcular a diferença de energia entre os orbitais e assim, pela fórmula de Planck, a frequência dos fótons correspondentes ao “salto quântico” dos elétrons entre eles. Isso permitiu não apenas explicar as faixas de absorção dos elementos químicos no espectro da luz visível, como prever outras faixas de absorção em frequência de radiação que não podemos enxergar, cuja existência era completamente desconhecida na época.

    Contudo, o tal salto quântico era algo totalmente contraintuitivo. O elétron não se “deslocava” de uma órbita para a outra, era como se ele simplesmente desaparecesse em um orbital e subitamente aparecesse no outro, como que num passe de mágica! Assim já não era mais possível imaginar o que acontecia na escala atômica, tudo que se tinha era uma descrição matemática capaz de representar com precisão as coisas que aconteciam no mundo microscópico. E, como veremos a seguir, logo os físicos perceberiam que não havia outra escolha além de se acostumar com essa nova forma de encarar a realidade.

A Dualidade Onda-Partícula

    Em 1923, o então jovem físico Louis de Broglie apresentou, em sua tese de doutorado, uma ideia intrigante. Ele notou que o comportamento dos elétrons no átomo de Rutherford lembrava o que acontecia com os harmônicos nas cordas de um instrumento musical, assim como apenas alguns harmônicos de ondas estacionárias eram possíveis nas cordas, apenas alguns orbitais eram acessíveis aos elétrons. Então, quem sabe, assim como a luz tem uma natureza corpuscular em certas circunstâncias, não poderiam também os elétrons terem uma natureza ondulatória?

    Ele então propôs uma forma de calcular o comprimento de onda associado a uma partícula, como um elétron, partindo da mesma fórmula usada por Compton para determinar a quantidade de movimento de um fóton. Como o elétron era uma partícula de matéria, sua quantidade de movimento era o produto de sua massa m por sua velocidade v, assim (você pode demonstrar a partir da fórmula de Compton, caso queira)

𝜆=h/mv

onde, novamente, h é a constante de Planck e 𝜆 é o chamado comprimento de onda de de Broglie. Esta relação é de extrema importância para entendermos porque os efeitos bizarros da Mecânica Quântica não se manifestam diretamente no nosso mundo macroscópico, e prometo que é a última fórmula que vou colocar aqui!

    Por exemplo, uma bola de futebol de 450g deslocando-se a um metro por segundo, pela relação de de Broglie, terá um comprimento de onda de 1,5 x 10-30 milímetros. Muito menor do que um átomo, o que explica o fato de não vermos estes objetos “ondulando” por aí. Certamente, você deve se perguntar: se a bola estivesse muito de vagar, seu comprimento de onda não poderia ser significativo? Bem, sim! Porém, a bola, assim como todos os objetos macroscópicos, são formados por um incontável número de átomos, e eles nunca estão parados (nos sólido, eles estão sempre “chacoalhando” em torno de uma posição média), de forma que mesmo a bola parada carrega o “movimento intrínseco” desses muitos e muitos átomos, suprimindo qualquer efeito quântico.

    Vamos pensar agora em um elétron. Se ele também se move a um metro por segundo, seu comprimento de onda será de 7 x 10-10 milímetros, ainda um milésimo do comprimento típico de um átomo. Contudo, um elétron movendo-se a um milímetro por segundo, já terá um comprimento de onda de 7 x 10-7 milímetros, comparável ao tamanho de um átomo.

    Vários experimentos posteriores confirmaram a hipótese de de Broglie. Clinton Davisson e George Thomson (filho de Joseph Thomson) em 1925 e 1927, respectivamente, mostraram que elétrons podiam sofrer difração por cristais, fenômeno observado com ondas eletromagnéticas (difração acontece com todo tipo de onda). Eles ganharam o Prêmio Nobel por seus trabalhos. Curioso é saber que Joseph Thomson ganhou o Nobel por descobrir o elétron como uma partícula, e seu filho também ganhou um Nobel, mas por mostrar o elétron como uma onda.


Figura 3: Experimento da fenda dupla com partículas e com ondas (feynmanlectures.caltech.edu ).

    Contudo, o experimento mais famoso a respeito da dualidade onda-partícula é certamente o da fenda dupla (talvez o preferido entre os místicos quânticos). Um feixe de elétrons de baixa energia inside sobre um anteparo com duas fendas, do outro lado, uma chapa fotográfica é usada para detectar os elétrons. Se os elétrons se comportassem como partículas, o esperado seria a formação de duas regiões logo em frente às duas fendas, onde as detecções se concentrariam, combinando-se para gerar uma padrão característico. Por outro lado, quando incidimos uma onda sobre as fendas, cada uma delas passa a funcionar como uma fonte de ondas, produzindo o que chamamos de “padrão de interferência”. A Figura 3 mostra a diferença entre o experimento com partículas e ondas (no caso, ali aparece um detector móvel).


Figura 4: Experimento de Tonomura, 1989.

    A Figura 4 mostra a imagem da chapa fotográfica após 140.000 detecções de elétrons em um experimento realizado por Tonomura em 1989. Fica claro que os elétrons formam um padrão de interferência, ainda que sejam registrados como pequenos pontinhos. As áreas com maior concentração de pontos é onde acorre a interferência construtiva, enquanto as faixas mais escuras correspondem à interferência destrutiva. Esse resultado é muito similar ao do experimento de fenda dupla de Young com a luz, realizados em 1800.

    Diante desses resultados surpreendentes, é natural se perguntar o que são estas ondas afinal. Como podem os elétrons se comportarem como ondas ao se moverem pelo espaço, mas aparecerem como partículas ao serem detectados? Esta é uma pergunta fundamental para que possamos tentar intuir sobre o comportamento das coisas muito pequenas, e a resposta mais aceita se baseia na interpretação probabilística proposta por Marx Born em 1928. De acordo com essa interpretação, a intensidade dessas ondas representa a probabilidade de se encontrar uma partícula em um determinado ponto no espaço. Assim, no experimento da fenda dupla, as regiões de interferência construtiva (onde as partes mais intensas das ondas se encontram) são aquelas onde os elétrons têm maior probabilidade de serem detectados.

    Esta concepção representava uma enorme quebra de paradigma em relação à Física Clássica. Antes, buscava-se uma descrição absoluta do comportamento da matéria, mas agora parecia que o máximo que poderíamos fazer era lidar com probabilidades. Esta nova maneira de descrever a natureza, por mais que parecesse limitar nosso conhecimento, acabou por revelar todo um novo mundo, dominado por fenômenos bizarros e totalmente contraintuitivos, como veremos nas seções a seguir!

O Princípio da Incerteza

    Na terceira década do Séc. XX, os físicos Werner Heisenberg e Erwin Shrodinger, cada um à sua maneira, buscaram desenvolver uma descrição matemática mais detalhada de Mecânica Quântica, algo similar ao que Newton havia feito séculos antes com a Mecânica Clássica.

    Foi Heisemberg quem primeiro apontou para um fato fundamental, consequência dessa nova mecânica ondulatória com a qual estavam lidando. Basicamente, ele mostrou ser impossível saber qual é a quantidade de movimento de uma partícula ao se detectar precisamente a sua posição no espaço. Por outro lado, para se fazer uma medição precisa de seu movimento, perdia-se totalmente qualquer informação sobre sua posição. Tal fato ficou conhecido como “Princípio da Incerteza de Heisenberg”, ou seja, é impossível conhecermos ao mesmo tempo a posição e a quantidade de movimento de uma partícula.

    O próprio Heisenberg ficou bastante intrigado com esta constatação. Durante um bom tempo, ele teria tentado buscar uma explicação intuitiva para aquele resultado teórico e abstrato. Conta-se que certa vez ele saiu para um passeio noturno, e, ao avistar um poste de luz, teve uma ideia para explicar o que acontecia com as partículas nos domínios da Mecânica Quântica. Ele entendeu que para se “observar” um objeto nós precisamos ter a luz incidindo sobre ele, o que implica em uma interação: é impossível observar sem interagir. Consequentemente, quando um elétron interage com um detector, isso afeta o seu estado de movimento. Se um objeto que você observa sob a luz de um poste tivesse o tamanho de um elétron, os fótons que o atingissem iriam transferir movimento para ele, assim, quando os fótons refletido chegassem ao seu olho (detector), o objeto já não estaria mais lá.

    E cada vez mais a natureza em sua escala mais fundamental parecia ser incerta e elusiva. Mesmo Einstein, que havia dado contribuições fundamentais para a Teoria Quântica, não se mostrava muito satisfeito com essa visão meramente probabilística das coisas. Certa vez, discutindo com Bohr, que havia trabalhado com Heisemberg, ele teria dito “Deus não joga dados com o Universo”, ao que Bohr teria respondido “Pare de dizer a Deus o que fazer”.

    Bohr e Heisenberg desenvolveram uma interpretação da Mecânica Quântica, conhecida como “Interpretação de Copenhagem”, segundo a qual, não podemos especular para além daquilo que pode ser medido. Não há sentido em perguntas como "onde estava a partícula antes de a sua posição ter sido medida?". O ato de observar, por sua vez provoca o “colapso da função de onda”, o que significa que, embora antes da medição o estado do sistema permitisse muitas possibilidades, apenas uma delas foi escolhida aleatoriamente pelo processo de medição, e a “função de onda” modifica-se instantaneamente para refletir essa escolha.

    Foi Shrodinger quem estabeleceu a equação fundamental que descreve como as coisas se desenrolam na Mecânica Quântica. A equação de Shrodinger, juntamente com a função de onda descrita por ela, engloba todas as características peculiares que vimos até aqui, que incluem os orbitais do átomo de Bohr e o Princípio da Incerteza de Heisenberg. Contudo, existem outros efeitos estranhos, como veremos na Parte 3!


Referências

Grande parte das informações deste texto foram tiradas do livro: Curso de Física Básica H. Moyses Nussenzveig, Vol 4, Editora Edgard Blucher, excelente para que quiser estudar o tema pra valer.

Outra fonte interessante para quem quer ir mais fundo no assunto é o site feynmanlectures.caltech.edu, de onde eu tirei as figuras sobre o experimento da fenda dupla.

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